PAMPILHOSA da SERRA da ESTRELA
UMA VIAGEM, SÓ.
Há viagens que não se medem em quilómetros, mas sim em vivências interiores. Foi esse o percurso silencioso e profundo de um fotógrafo que, na companhia da sua câmara e do desejo de reencontro consigo próprio, decidiu atravessar os trilhos da sua memória ancestral. Partiu em direção à terra natal dos seus pais — Pampilhosa da Serra — e mais tarde à imensidão granítica da Serra da Estrela. O que procurava não era apenas luz ou paisagens para captar, mas um sentido de pertença, um bem-estar adormecido dentro de si, à espera de ser despertado.
A viagem começou com o desejo de respirar fundo, longe do ruído da vida quotidiana. Nos vales profundos e nas curvas do rio Zêzere, reencontrou fragmentos de histórias familiares, ecos de vozes antigas, aromas de infância contados em silêncio pelas árvores e pela imensidão do horizonte longínquo. A natureza acolheu-o, cada passo era um regresso, e cada fotografia, um gesto de gratidão.
Há um lugar onde o ser humano se reencontra, não na solidão do eu absoluto, mas no espelho tranquilo do olhar do outro. Esse lugar não é físico, mas sim espiritual. Nasce quando deixamos de viver apenas para nós, quando compreendemos que o bem-estar é uma construção coletiva e que a felicidade é uma rede onde cada nó sustenta o outro.
À medida que subia pelos caminhos da Serra, a luz tornava-se mais clara, mais leve. Os horizontes alargavam-se, assim como a sua alma. Em silêncio, fotografava não apenas o que via, mas o que sentia. Rios sinuosos, rochedos esculpidos pelo vento, planaltos onde o céu parecia descer à terra — tudo lhe falava de humildade, de beleza simples, de generosidade. Cada imagem registada era uma oferenda à vida, um agradecimento à existência.
A ideia de que podemos encontrar bem-estar enquanto o mundo arde é uma ilusão. A cultura do “eu” promoveu uma espiritualidade do isolamento, como se a felicidade fosse um jardim privado. Mas a verdadeira paz não é uma muralha — é uma ponte. Ela nasce quando existe harmonia com o outro. Quando os que amamos estão bem. Quando a comunidade está em equilíbrio. Quando deixamos de estar centrados apenas no “eu” e reconhecemos o “nós” como lugar de cura.
Através da fotografia, o fotógrafo procura não só a sua própria tranquilidade espiritual, mas também evocar, em cada imagem, uma sensação de bem-estar partilhado. Porque a paz que sentimos pode — e deve — ser partilhada. Porque a beleza que acalma um só, pode tocar muitos.
É preciso erguer uma nova ética das relações humanas. Uma utopia realista em que cada pessoa entenda que, ao cuidar do outro, está a cuidar de si. Um mundo onde os casais não apenas se amam, mas se tornam guardiões do bem-estar um do outro; onde os grupos de viagem não apenas compartilham trajetos, mas constroem experiências de solidariedade; onde os povos não apenas coexistem, mas cooperam como membros de um único corpo.
Neste tempo em que o mundo está cada vez mais fragmentado, resta-nos o pequeno gesto de olhar em volta e perguntar: “Estás bem?”. Porque a resposta a essa pergunta, mais do que se imagina, também responde ao estado da nossa própria alma.
As imagens não são apenas registos visuais de um território serrano — são espelhos de estados de alma, reflexos de um caminhar consciente, atento, presente. Em cada composição há um gesto de cuidado: na luz, na espera, na escolha do instante. Um gesto que diz: “olha com calma, respira fundo, sente contigo”.
Cuidar do outro é também cuidar de nós. Quando nos deixamos tocar pela tranquilidade da natureza e pelas raízes que nos moldam, despertamos para uma forma mais sensível de estar no mundo. Este projeto é uma viagem interior pelas paisagens da Pampilhosa da Serra e da Serra da Estrela — territórios onde o silêncio fala, onde a luz abraça, e onde o bem-estar se revela nas coisas simples. Cada imagem é um convite à pausa, à contemplação e à empatia. Porque, se cada um cuidar do bem-estar dos outros, sabemos que todos cuidam do nosso. E essa é, com certeza, a forma mais natural de viver.
Os grandes mestres espirituais sabiam disso. Buda ensinava que a compaixão pelos outros era inseparável da libertação pessoal. Jesus insistia que o amor a Deus passa pelo amor ao próximo. E Francisco de Assis chamava “irmão” até ao sol e ao lobo. Esta visão não é apenas poética — é prática. Num mundo em que cada um cuidasse verdadeiramente do bem-estar do outro, todas as pessoas estariam cuidadas. E nesse tecido de cuidado mútuo, floresceria uma paz que nenhuma conquista individual poderia alcançar.
É este o desafio da maturidade espiritual: fazer da paz interior não um fim em si, mas um ponto de partida. Cultivar o silêncio dentro de nós para escutar melhor o outro. Conhecer as nossas sombras para acolher as sombras dos que nos rodeiam. E, sobretudo, viver com a consciência de que o bem-estar é um bem comum — como a água, como o ar, como a esperança... como a fotografia.
Cabeço da Urra, Pampilhosa da Serra
Cabeço da Urra, Pampilhosa da Serra
como o mundo é grande
Serras da Pampilhosa da Serra
Rio Zêzere
Curvas do Zêzere
Serras da Pampilhosa
Serra do Açor
Serra do Açor
Barragem de Santa Luzia
Pampilhosa da Serra
Minas da Panasqueira, Pampilhosa da Serra
Serra da Estrela
Serra da Estrela