Sou fotógrafo e sou um amante da minha cidade — dos seus recantos esquecidos, das paredes gastas pelo tempo, dos becos onde o sol hesita em entrar. A cidade vive e respira em mim, e é através da fotografia que retribuo esse pulsar. Não procuro os postais turísticos nem os grandes marcos conhecidos. Procuro as sombras. É nelas que a cidade me fala mais alto.
As sombras não são apenas ausência de luz — são vestígios, memórias, movimentos suspensos. São mapas que o tempo desenha sobre a pele da cidade. Numa parede manchada pela sombra de um varal, vejo a presença de quem ali vive. Num chão riscado pelas sombras da tarde, sinto a passagem do tempo que não volta. São momentos que ninguém vê, mas que eu procuro com olhos atentos e coração aberto.
A minha câmara não capta apenas imagens. Ela escuta. Ela espera. Há uma escuta ativa no acto de fotografar sombras — é preciso estar, demorar-se, deixar que a cidade se revele aos poucos. E quando o faz, é sempre com delicadeza, como um segredo sussurrado ao ouvido.
Fotografar as sombras é, para mim, uma forma de reconhecer que há beleza no que se esconde, no que é discreto. Há uma dignidade silenciosa nesses traços fugidios. As sombras mudam, movem-se, dissolvem-se. Tal como os sentimentos que nutrimos pelas coisas que nos tocam profundamente — não precisam ser gritados, basta senti-los.
Fotografar as sombras da cidade nasceu do desejo de estar mais perto da sua alma. De manhã cedo, ao entardecer, nos dias nublados ou de sol rasante, caminho sem destino certo. E a cada esquina, descubro vestígios de luz e sombra que contam histórias íntimas da vida urbana. São poemas visuais sobre a impermanência, sobre o silêncio, sobre tudo aquilo que passa despercebido.
Neste gesto contínuo de observar e registar, construo um diário visual do meu amor pela cidade. Um amor feito de respeito, escuta e atenção. Porque, no fundo, amar é isso: procurar o outro no seu estado mais genuíno. E nas sombras da cidade, eu encontro a sua verdade.