O Valor Duradouro da Fotografia
No universo da criação artística, deparei-me com uma tendência para mim inédita, mas que constato ser transversal a todo o mundo da arte, creio, em meu entender, sustentada pelo receio ou pelo orgulho, de reter obras do olhar do público. Muitos fotógrafos, como outros artistas, receiam expor o seu trabalho por acreditarem que ele perde força ao tornar-se visível demasiadas vezes. Esta atitude, embora compreensível no plano emocional, revela-se contraproducente do ponto de vista artístico e filosófico. Uma verdadeira obra de arte não se desgasta com o tempo nem com a exposição; pelo contrário, ganha espessura, ressonância e profundidade à medida que é vista, revista e pensada.
A Persistência do Valor Estético
Como defendeu o filósofo e crítico de arte John Berger, o olhar transforma-se com a experiência. Em Ways of Seeing(1972), Berger argumenta que a forma como vemos uma imagem é moldada pela repetição e pelo contexto. Uma boa fotografia, no sentido profundo do termo, tem a capacidade de resistir ao tempo e ao hábito. Tal como as pinturas de Vermeer ou de Turner, que continuam a emocionar e a surpreender apesar da sua ubiquidade, também uma imagem fotográfica verdadeiramente artística se sustenta na sua densidade estética e conceptual, não na efemeridade do impacto inicial.
O fotógrafo Henri Cartier-Bresson, mestre do instante decisivo, nunca receou a exibição contínua das suas imagens. Pelo contrário, entendia que o poder da fotografia residia precisamente na sua capacidade de condensar o tempo, revelando algo mais do que o visível. Fotografias como Derrière la Gare Saint-Lazare continuam a ser admiradas não por serem inéditas, mas por conterem em si uma qualidade intemporal, que resiste à erosão da familiaridade.
A Ilusão do Impacto e a Falácia da Exclusividade
Há, contudo, imagens que provocam um impacto imediato mas superficial. Como alertava Susan Sontag em On Photography (1977), o excesso de imagens na cultura moderna leva à banalização do impacto visual. Uma fotografia que surpreende à primeira vista pode rapidamente tornar-se descartável se não possuir camadas de significação, se for apenas espetáculo ou choque.
Nesta linha, importa distinguir entre o “impacto” e a “permanência”. Impacto é efémero; permanência é duradoura. O impacto pode ser confundido com valor, mas só o tempo — e a revisitação constante — testa a verdadeira densidade de uma imagem. Ansel Adams, com as suas paisagens meticulosamente compostas, ofereceu ao mundo fotografias que se tornaram ícones não pelo choque, mas pela solidez estética e técnica, e pela capacidade de suscitar contemplação contínua.
A Obra e a Obra de Arte
Nem toda a fotografia é arte, tal como nem toda a pintura o é. Existe uma diferença entre uma “obra” e uma “obra de arte”. Roland Barthes, em La Chambre Claire (1980), distingue entre o studium (o interesse cultural, comum, informativo de uma fotografia) e o punctum (aquele detalhe que fere, que emociona, que torna a imagem pessoalmente significativa). Só quando uma imagem toca o punctum, se aproxima da verdadeira arte. A maioria das fotografias partilhadas nas redes sociais, por exemplo, possui studium, são tecnicamente boas, informativas ou agradáveis, mas poucas atingem o estatuto de obra de arte, pois carecem de profundidade emocional ou de uma visão verdadeiramente singular.
Assim, guardar uma fotografia por achar que a sua exposição a banaliza é confundir o valor artístico com o marketing da exclusividade. Uma obra medíocre pode parecer impressionante se mostrada uma única vez e com pompa, mas revela rapidamente as suas limitações. Já uma boa fotografia, uma verdadeira obra de arte, continuará a revelar novas leituras a cada encontro, como um poema de Rilke ou uma sinfonia de Mahler.
A Partilha Como Validação da Arte
A arte só se completa no olhar do outro. Recolher uma imagem ao silêncio por medo da sua "desvalorização" é retirar-lhe a possibilidade de existir plenamente. A fotografia é, por natureza, um meio democrático e reprodutível, como bem notou Walter Benjamin em A Obra de Arte na Era da Sua Reprodutibilidade Técnica. Mas essa reprodutibilidade não a torna menos arte; antes, desafia o fotógrafo a criar imagens que resistam ao tempo e à exposição.
Partilhar o trabalho não o torna menos valioso. Pelo contrário, é no confronto com os olhares do público que uma fotografia revela o seu verdadeiro peso. Uma imagem artisticamente válida será sempre uma boa fotografia, hoje, amanhã e depois de mil exposições. E só aquelas que sobrevivem à erosão da novidade merecem o título de arte.
É por isso que termino este artigo sem publicar aqui nenhuma das minhas fotografias. Não por desvalorização do meu trabalho, mas por honestidade, ainda não tenho, no meu entender, uma imagem que possa chamar, com convicção, “obra de arte”. Esse é o meu anseio de vida. É isso que me move. É essa procura — silenciosa, exigente, por vezes frustrante, que me faz levantar a câmara todos os dias. Um dia, talvez. Até lá, continuo a tentar.